segunda-feira, outubro 16, 2006

The Pillow Man




Foi por um triz que não falhei esta peça no renovado Teatro Maria Matos mas tudo acabou em bem graças a alguém que desistiu da sua reserva, no último dia de exibição, e me possibilitou tomar o seu lugar, não obstante este ficar mesmo atrás do teenager mais guelhudo da sala. Valeu-me a contaminação cinematográfica da encenação portuguesa (obrigada Tiago Guedes) que fez com que grande parte da peça se passasse numa espécie de ecrã, elevando assim o palco acima da linha do olhar.
No post anterior queixava-me desta tendência, espécie de "air du temps" no mundo das artes para a descrença, a angústia, a solidão, os ambientes "urbano-depressivos". Sobretudo no teatro, chega a ser asfixiante pois as peças de "novos" dramaturgos que tenho visto são quase todas deprimentos, uma gargalhada amarga aqui e ali e sai-se com a sensação de alguém nos ter dado um murro no estômago (basta pensar em nomes como Sarah Kane, Jon Fosse ou Harold Pinter). The Pillow Man de Martin McDonagh insere-se nesta propensão embora de forma consciente. Sentimos isso porque toda a diegése problematiza e luta para o final feliz e mesmo as pequenas histórias que se vão contando têm finais tão trágicos (uma tragicidade religiosa, apiedada) que chegam a ser ridículos. Pensemos na história da menina que queria ser Jesus (e que acaba cruxificada, claro está), na história da criança surda a passear numa linha de comboio (sendo surda não ouvia o comboio aproximar-se) ou na história da criança a quem são dados a engolir bonequinhos feitos de maçã com lâminas dentro. Tudo num género "história de embalar de faca e alguidar".
O fascinante nesta peça é que não se percebe bem qual é o tema pois fala-se de muita coisa, tornando inúmeras as possibilidades de interpretação. Todas as críticas que li antes de ir ver a peça destacavam coisas diferentes, de tal modo que cada crítica parecia incidir sobre uma peça diferente. Eu própria tive dificuldade em explicar a um amigo do que tratava, acho que só vendo e interpretando cada pessoa poderá dizer do que trata (para si) The Pillow Man. Compreendi isto mais profundamente quando o personagem principal, o escritor Katurian, interrogado sobre qual a mensagem das suas histórias, responde que elas não querem dizer absolutamente nada, são apenas histórias e contá-las é o que interessa a um escritor. O que Katurian virá a descobrir é que, embora sem intenção, as suas histórias (a maioria delas, relatando infanticídios) têm inevitavelmente os seus efeitos (perversos) nas pessoas, nomeadamente no seu irmão. Mesmo uma história sem intenção de transmitir seja o que for, acaba por ter um efeito a partir do momento em que alguém a lê e a interpreta de acordo com o seu universo pessoal. Merecerá o escritor ser julgado por esse efeito? Ou será que o lado nocivo de uma história está apenas no lado da interpretação?
De algum modo, é também sobre a individualidade que esta peça fala na medida em que uma história apenas adquire sentido(s) quando é individualmente interpretada. Sintomático deste alicerce é a shortstory que é contada sobre um porquinho especial: o porquinho verde vivia orgulhoso da sua diferença no meio dos outros porquinhos rosados. Por ser diferente, alguém invejoso o pintou com uma tinta côr-de-rosa que não saía nem quando se lavava. Assim, o porquinho verde ficou igual aos outros porquinhos rosados. Acontece que certo dia, choveu tinta verde, daquela que não sai nem quando se lava e todos os porquinhos ficaram verdes, à excepção do nosso porquinho cuja tinta côr-de-rosa não saía nem podia ser lavada. O porquinho côr-de-rosa conseguiu assim permanecer diferente, no meio dos outros porquinhos verdes.
No outro dia, o António Torrado (escritor português de livros para crianças) falava na televisão sobre a capacidade que as histórias infantis têm para exorcizar o medo. Isto faz todo o sentido, sobretudo se pensarmos na brutalidade contida nas nossas histórias infantis e que nem por isso nos traumatizaram (pelo contrário, ajudaram-nos a crescer): ele é o lobo mau que come a avozinha, ele é o "atirei o pau ao gato mas o gato não morreu", ele é o Barba Azul mais as suas mulheres mortas, todo um uiverso que permite (segundo o António Torrado e eu concordo) materializar na ficção o medo que todas as crianças sentem. The Pillow Man é uma dessas histórias destinadas a todos os adultos que ainda não perderam o medo e querem continuar a crescer. Através das histórias de embalar que ouvimos nesta peça, exorcizamos os nossos medos de gente grande, entre os quais, o medo de ser diferente.

domingo, outubro 15, 2006

Lady in the water de M. Night Shyamalan

O homem merece ser salvo?
*
Gosto de filmes assim, filmes (epopeicos) que nos fazem voltar a acreditar na grandiosidade do ser humano, na possibilidade do conto de fadas acontecer no sítio mais comezinho, com as pessoas mais banais, impondo-se contra a vida snob, pessimista e previsível. Não é à toa que, neste filme, o único personagem a merecer morrer é também o mais enfastiado com a vida e com a arte, um crítico de cinema preso na convicção de já nada ser capaz de lhe ensinar alguma coisa, preso no cânone e no estereótipo, os quais afinal acabam por o surpreender da forma mais cruel, matando-o. No meio desta atmosfera artística tão descrente, é redentor vermos emergir um filme assim, fazendo-nos acreditar que todas as pessoas, por mais (a)normais ou estranhas que aparentem ser, são na verdade portadoras de um sentido imprevisível até para elas próprias, uma missão longe dos estereótipos e contra a maldade do mundo. É de novo a possibilidade renascentista do homem como Deus, imortal, do homem que merece ser salvo.
*
É também esta crença no ser humano que me faz gostar da poesia de Jorge de Sena. Convoco aqui um excerto de um dos poemas dele que mais gosto, chama-se "A Morte, o Espaço, a Eternidade" e foi escrito em 1/4/1961, sábado de aleluia (dia da ressurreição de Cristo):
+
"De morte natural nunca ninguém morreu.
Não foi para morrer que nós nascemos,
não foi para a morte que dos tempos
chega até nós esse murmúrio calvo,
inconsolado, uivante, estertorado,
desde que anfíbios viemos a uma praia
e quadrumanos nos erguemos. Não.
Não foi para morrermos que falámos,
que descobrimos a ternura e o fogo,
e a pintura, a escrita, a doce música.
Não foi para morrer que nós sonhámos
ser imortais, ter alma, reviver,
ou que sonhámos deuses que por nós
fossem mais imortais que sonharíamos.
Não foi. Quando aceitamos como natural,
dentro da ordem das coisas ou dos anjos,
o inomável fim da nossa carne; quando
ante ele nos curvamos como se ele fôra
inescapável fome de infinito; quando
vontade o imaginamos de outros deuses
que são rostos de um só; quando que a dor
é um erro humano a que na dor nos damos
porque de nós se perde algo nos outros, vamos
traindo essa ascensão, essa vitória, isto
que é ser-se humano, passo a passo, mais."
(...)

sábado, outubro 14, 2006

Royal Academy of Arts, (ainda as saudades de Londres)

quarta-feira, outubro 11, 2006



O metro de Londres faz-me lembrar a casa da toupeira de uns desenhos animados que via quando era criança e que adorava. Percorrê-los é entrar num universo de aventuras e brincadeiras, para o qual até uns ratitos que vi a passearem-se pelas linhas, dão a sua contribuição (felizmente não vi nenhuma ratazana, senão o caso mudava de figura).



Mercado em Brick Lane, uma espécie de Feira da Ladra lá do sítio onde é possível encontrar de tudo um pouco, desde televisões roubadas, antiguidades, roupas, frutas e até uma Convenção Anual de Tatuagem, à porta da qual serpenteava uma grande fila de gente unida pelo facto de todos esconderem (ou não) no mínimo uma tatuagem em alguma parte do seu corpo.

terça-feira, outubro 10, 2006


O London Eye, diz o meu Guia é "uma espantosa proeza de engenharia, esta roda-gigante panorâmica é a mais alta do mundo e oferece uma vista fascinante da cidade." Foi bastante divertido este "voo" sobre Londres e até nem tivemos de esperar muito tempo (o truque é ir cedo, já que as filas costumam ter tempos médios de 2 horas de espera). Embarcámos numa destas cabinas com uma família de chineses e já se está mesmo a ver (ouvir) a nossa banda sonora: clic, clic, flash, flash (para um leitor de BD, isto deve ser suficientemente ilustrativo).
Fiquei a modos com o coração nas mãos por causa do patife deste miúdo (digamos que do outro lado das grades, é o rio). Londres às vezes parecia-me um palco enorme onde todos procuravam exibir as suas habilidades, nas ruas, no metro, há sempre alguém que se expõe de uma maneira que nos capta a atenção.
Uma árvore no Hide Park não deveria ser motivo de admiração, mas gostei particularmente desta, talvez por a ter notado ao entardecer.

sábado, outubro 07, 2006


Amanhã há mais...
Esta foto podia ter sido tirada em qualquer lado, mas a verdade é que, tal como as anteriores, diz respeito à cidade da rainha e dos muffins.

O Buckingham Palace, ao fundo da avenida Pall Mall.
Mais uma de Trafalgar Square (a foto parece estar tremida mas acho que é mesmo assim)
Trafagar Square/ National Galery

sexta-feira, outubro 06, 2006

Debaixo da Millennium Bridge, com a Modern Tate à minha espera na outra margem do rio Tamisa.

quinta-feira, outubro 05, 2006


St Paul's Cathedral e a City (panorama a partir da Tate Modern)
*
Pensamento que acompanhou o "clic", ao tirar esta foto: a quantidade de gente (estudantes de várias idades, artistas, cidadãos anónimos) que vi, com cavaletes ou sentados pelos chãos dos corredores das Tates (Modern e Britain), da National Gallery e não só, em frente aos quadros, desenhando, imitando os pintores que mais admiram ou simplemente conversando sobre as obras, transformando os museus em sítios verdadeiramente aprazíveis, sítios onde até o espaço pode ser inspirador (como o senhor da foto acima, desenhando a paisagem à sua frente), sítios onde as crianças (juizes implacáveis destas coisas) gostam de estar e se divertem. De facto, a maior prova desta aprazibilidade é mesmo a quantidade de crianças que vi, aos magotes, puxando lápis dos bolsos dos seus uniformes aos quadradinhos, todas com imenso jeito, o que só pode ser consequência de muitas horas a treinar o risco, com gosto. Lembro-me em particular dum grupo de crianças, com 10/12 anos no máximo, alinhadas em frente ao quadro Water do pintor flamengo Joachim Beuckelaer, copiando peixes pacientemente para os seus cadernos, tão bonitos os desenhos daquelas crianças, tão perfeitos os seus peixes (e tinham muitos para copiar já que nesse quadro foram identificadas 12 espécies diferentes). Lembro-me que desviei os olhos da parede para os fixar nos blocos coloridos das meninas, um pouco invejosa daqueles lápis de cor de tantas tonalidades (aos quais não tive acesso na minha infãncia pois só tinha seis e poupadinhos), daquela intimidade com quadros de grandes pintores, quando a maior inspiração para as pinturas da minha infância eram as Histórias do Avozinho (tinham umas gravuras muito perfeitinhas) e os desenhos de passarinhos e flores da minha mãe, em sobras de papel pardo. A questão é: porque é que nos nossos Museus (em particular, no Museu de Arte Antiga) isto não acontece? Foi a consciência deste fosso palpável que soou dentro de mim como uma campainha, em uníssono com o clic ao premir o botão da máquina fotográfica.

Postal de Londres

Os neons ao entardecer em Piccadilly Circus.
A cúpula da St Paul Cathedral (obra prima de arquitectura de Sir Chistopher Wren) vista através da ponte pedonal Millennium Bridge.

Imagens do ceu entre Lisboa e Londres, esta tarde



Embora com algum atraso, o aviao sempre descolou. Ja estou em Londres e so nao escrevo mais pois ja me estou a passar com a falta de acentos (teclados made in UK).

terça-feira, outubro 03, 2006

Gostos Simples

Restaurante La Trattoria (Rua da Artlharia 1- Lisboa)

Eis como se pode fazer feliz uma rapariga como eu: um dia ao entardecer, junta-se uns amigos que nos vêm bater à porta, poucos mas bons como se costuma dizer, pensa-se que se calhar até não era má ideia a malta ir comer a qualquer lado, alguém sugere o La Trattoria e partimos. Chegados lá, que giro, que restaurante tão "Nova Iorque", já reparaste que os vemos a cozinhar-gosto sempre de ver a cozinha nos restauantes, o meu calzoni está óptimo, o vinho é excelente, aquela pizza está cá com um bom aspecto (deve ser do forno a lenha), o teu rizotto também não está nada mal e o vinho que bem que me está a saber, umas piadas parvas entre garfadas, umas gargalhadas, ai as sobremesas, uns desabafos, a conta até nem custou muito a pagar e no fundo dos nossos pratos vazios fica a promessa de voltar (talvez com mesa junto à janela).

domingo, outubro 01, 2006