sábado, setembro 30, 2006

Livros em Desassossego

Na passada quinta-feira à noite, dia 28 de Setembro, fui até à Casa Fernando Pessoa onde decorreu mais uma tertúlia, desta vez dedicada ao tema "Aprende-se História lendo romances históricos?". Contando, uma vez mais, com a moderação de Carlos Vaz Marques, teve como convidados Pedro Almeida Vieira (autor de dois romances históricos), o muito interessante historiador Rui Tavares (autor do Pequeno Livro do Grande Terramoto), Miguel Real (confirmado recentemente vencedor do prémio Fernando Namora com o romance A Voz da Terra) e ainda o editor da Caminho, Zeferino Coelho. António Mega Ferreira também era convidado mas baldou-se à última da hora (incompatibilidades de agenda).
Lançaram-se várias achegas mais ou menos interessantes sobre o tema, entre as quais: aprende-se efectivamente história lendo romances históricos? desaprende-se história lendo romances históricos? um escritor aprende história escrevendo romances históricos? o que é afinal um romance histórico?
Confesso que, a páginas tantas (talvez fruto de um dia de trabalho cansativo), a intervenção de Miguel Real já me fazia doer as costas. Felizmente, Carlos Vaz Marques - é para isto que serve um bom moderador - apercebeu-se do desconforto dos corpos presentes nas respectivas cadeiras, e deu a palavra a outro orador. A participação mais interessante da noite revelou-se também a mais inesperada: a de Zeferino Coelho, editor da Caminho, homem de sorriso irónico e imagem "quixotesca" cuja opinião sobre o tema parece ter caído como uma bomba entre os presentes: afirmou não esperar que um livro lhe ensine alguma coisa, Na verdade, um livro que apenas contenha vida quotidiana e nenhum saber enciclopédico não é necessariamente menos literário, não é a capacidade de ensinar alguma coisa que faz uma boa obra. Por isso, quando foi pedido a Zeferino Coelho que sugerisse três livros publicados este ano (sem ser pela Caminho), empertiguei-me toda na cadeira para o ouvir melhor. Um deles foi A educação pela pedra do poeta brasileiro João Cabral de Melo Neto (de cuja poesia já ouvi falar muito bem mas de quem nunca li nada). E foi o entusiasmo deste senhor editor que me fez ir, nesta manhã de sábado, adquirir o 12.º volume do Curso Breve de Literatura Brasileira que é nem mais A educação pela pedra do João Cabral de Melo Neto. A ver se vai ser boa companhia.

Higiene Pessoal

Uma pessoa constipa-se ligeiramente. Continua a fazer a sua vida normal: vai ao cinema, sai com os amigos, vai à mercearia, ao talho, viaja, cozinha, rega as flores, lê uns livros, dá uns beijinhos, prega partidas, ri, chora (até ajuda a expelir o muco), vai ao futebol, uns respingos e um nariz encarnado pelo meio, visita umas exposições, janta fora, vai trabalhar... mas não pode ir à natação. NÃO PODE IR À NATAÇÃO. Descobri isto um destes dias, estava eu com água de piscina até às orelhas e eis senão quando um espirro me vem ameaçar (só a muito custo o segurei, podia-me até ter afogado com esta brincadeira). Como é que uma pessoa constipada mantém a sua dignidade nas aulas de natação, evitando o asco dos outros? Como é que uma pessoa se assoa dentro de água, com que lenço? E onde é que os guarda, caso houvessem lenços impermeáveis? Foi uma descoberta fulminante, esta da possibilidade de ter de ficar em casa a assoar-me enquanto os outros (incluindo um miúdo de 8 anos que goza sempre os meus mergulhos-o parvo) vão para a natação ao final do dia. Vou-me guardar das correntes de ar e das aves, é o que vou fazer.

quarta-feira, setembro 27, 2006

Vida de Estudante


Depois de ter passado os últimos dias prisioneira da volatilidade das taxas de juro e dos preços, dos modelos de gestão de risco, da Duration, do Value at Risk, das posições cambias líquidas, do Mercado Monetário Interbancário, do Diferencial de Fundos Simples e Incremental, do controlo da liquidez e quejandos, foi uma verdadeira libertação (finalmente) arrumar os livros na prateleira.
Estou de pensamento livre outra vez.

quinta-feira, setembro 21, 2006

21 de Setembro: Dia Internacional da Paz



Hoje passei por esta rua.

domingo, setembro 17, 2006

"Faça Favor", um filme de Pierre Salvadori

Uma comédia inteligente, que esconde por detrás da sua ligeireza uma espécie de "teoria do beneficio".
Como sinopse, poderemos dizer que esta é a história de Antoine, chefe de mesa num restaurante em Paris, que certa noite, estando já atrasado para um encontro, opta por cortar caminho por meio de um jardim, dando de caras com um desconhecido que naquele mesmo momento se tenta enforcar. Impedido o suicídio, Antoine passa a sentir-se responsável pela vida de Louis, procurando, de forma generosa e abnegada que este volte a gostar de viver. E de tal forma é a sua entrega a esta causa que não podemos deixar de rir, quando, a páginas tantas, Louis (o ingrato) se vira para Antoine e o acusa de só pensar em si própro, de ser um egoísta. Apesar de tudo indicar o contrário, caladas as gargalhadas, começamos a pensar que talvez esta acusação não seja assim tão desprovida de sentido. De facto, por detrás do "tipo bonzinho" que é Antoine, há sobretudo o "tipo que não sabe dizer que não", o tipo que se prejudica para ajudar um desconhecido a retomar a sua vida mas que despreza a sua própria namorada (esquecendo-se do aniversário de três anos de namoro). Na verdade, apesar das evidências não o dizerem, o que move Antoine não é a atitude altruísta, é o amor a si próprio.
A propósito deste filme, lembrei-me das Memórias Póstumas de Brás Cubas (há livros que são uma espécie de enciclopédias: têm lá tudo), mais propriamente ao capítulo que Machado de Assis dedica à "Teoria do Benefício". Fica aqui um excerto:
*
"o prazer do beneficiador é sempre maior que o do beneficiado. Que é o benefício? é um ato que faz cessar certa privação do beneficiado. Uma vez produzido o efeito essencial, isto é, uma vez cessada a privação, torna o organismo ao estado anterior, ao estado indiferente. Supõe que tens apertado em demasia o cós das calças; para fazer cessar o incômodo, desabotoas o cós, respiras, saboreias um instante de gozo, o organismo torna à indiferença e não te lembras dos teus dedos que praticaram o ato."
Sobre o prazer do beneficiador escreveu Machado de Assis: "Primeiramente, há o sentimento de uma boa acção, e dedutivamente a consciência de que somos capazes de boas acções; em segundo lugar, recebe-se uma convicção de superioridade sobre outra criatura, superioridade no estado e nos meios; e esta é uma das coisas mais legitimamente agradáveis, segundo as melhores opiniões, ao organismo humano. Erasmo, que no seu Elogio da Sandice escreveu algumas cousas boas, chamou a atenção para a complacência com que dois burros se coçam um ao outro. Estou longe de rejeitar essa observação de Erasmo; mas direi o que ele não disse, a saber, que se um dos burros coçar melhor o outro, esse há de ter nos olhos algum indício especial de satisfação."

sábado, setembro 16, 2006

Opinião sobre a Futurologia

"Até um relógio avariado acerta na hora duas vezes."

Finisterra


Sinto as finisterras como os sítios mais apaziguadores do Mundo.
Porque não são sítios decisivos: não é ali que tudo acaba e também não é ali que tudo começa.
Há, no entanto, uma ruptura que nos dá esperança e faz sentir bem.

Its a girl !


Dentro desta barriga, misteriosamente, já mora uma bébé.
E como estas coisas passam sempre a correr, em pouco mais de um mês a pequena Joana já estará cá fora, a olhar para nós, esticando as mãos para nos mexer, ao mesmo tempo que vai aprendendo a falar, a andar e a sorrir.
Há quem se orgulhe de ter amigos que são famosos porque escreveram livros ou pintam bem, participaram em reality shows ou são Ministros... eu tenho uma amiga que está grávida. E há poucas coisas mais incríveis para se estar nesta vida.

quarta-feira, setembro 13, 2006

fotografias da rua de Lisboa que eu mais piso


As fotos ainda estão um bocadinho toscas mas são a primeira fornada da minha mais recente aquisição: uma pequena máquina fotográfica Olympus (digital que é para me facilitar a vida).
Se olharmos com atenção, na foto de baixo está uma velhinha à janela (do lado direito). Na verdade, mais difícil será encontrar uma foto tirada num bairro antigo de Lisboa que não tenha uma pessoa idosa à janela...

Geração "Anos 90"


Até há pouco tempo, o revivalismo da nossa "massa crítica" concentrava-se unicamente na música dos anos 80.
É certo que a maioria dessas músicas não me são desconhecidas, mas a verdadeira emoção (a vontade de quase chorar), o frio na barriga ... só as músicas dos anos 90 conseguem ter esse efeito em mim.
Curiosamente, nos últimos tempos comecei a ouvir falar nos "anos 90" e nos hits dos nineteens (talvez porque este ano as pessoas da minha geração fizeram - no mínimo - 30 anos e começam a ser também elas "massa crítica").
Aqui ficam 2 exemplos de Músicas para Sonhar: "Dreams" dos Cranberries e "Bluebeard" dos Cocteau Twins (para ouvir basta clicar em cima dos nomes das canções).
As mesmas canções, mas em cantonês (nas fantásticas versões de Faye Wong) podem ser ouvidas aqui.

Perder o medo de voar

Depois do bombardeamento de imagens dos últimos dias (alusivas ao 11 de Setembro), perder o medo de andar de avião tornou-se tarefa árdua.
Mas com o vídeo que encontrei no blog do Rui, talvez consiga voar outra vez: Bright Eyes com "At the Bottom of Everything" (lindo!).

sábado, setembro 09, 2006

United 93 (Paul Greengrass)


O filme que recria de uma forma muito realista, em estilo documental, o trajecto do quarto avião desviado por terroristas muçulmanos no 11 de Setembro (o voo United 93), desde os momentos que antecedem o embarque até ao despenho numa zona rural da Pensilvânia, não chegando a atingir o seu alvo em Washington.
E é a angústia desses 91minutos de voo que verdadeiramente vivemos neste filme, 5 anos depois. Um filme que deve a sua verosimilhança menos ao facto de retratar um caso real e mais à forma como é encenado: sem heróis nem moralismos. O facto de não haver personagens mais desenvolvidas nem por isso diminui a nossa identificação com as mesmas. Se eu fosse naquele avião seria certamente a rapariga que diz "eu não quero estar aqui, eu não quero estar aqui, eu não quero estar aqui!".
De tal forma somos "embarcados" neste filme, que saí da sala com a sensação de estar a contrariar uma das frases finais a aparecerem no ecrã e que dizia "não houve sobreviventes neste voo".

quinta-feira, setembro 07, 2006

Uma casa feita com livros

Na Gulbenkian (hall do CAMJAP) até Dezembro deste ano é possível entrar numa casa feita com livros. A instalação chama-se Book Cell e o autor Matej Krén (n. 1958 na Eslováquia). A experiência de atravessar esta estrutura arquitectónica é uma verdadeira vertigem na medida em que o corredor que nos conduz é ladeado por espelhos que multiplicam ad infinitum o padrão de livros empilhados.
O interessante é que este conceito é perfeitamente passível de ser intelectualizado da mesma forma que qualquer criança lhe acha piada. Eu que até nem costumo gostar muito de instalações, fiquei completamente rendida.

terça-feira, setembro 05, 2006

os peixes também envelhecem e morrem


Compra-se uma casa e começa-se a enchê-la com tralhas, devagarinho. Tão devagarinho que passados seis anos ainda andamos a comprar coisas que fazem falta, num afã que nos distrai para o facto de, entretanto, algumas dessas coisas "mesmo novas" começarem a avariar.
Foi assim na nossa casa: primeiro avariou a televisão, a seguir o computador, depois o forno, finalmente o peixinho no aquário... e espero que fiquemos por aqui.
Foi preciso que tudo avariasse ao mesmo tempo para eu perceber que o tempo não passa apenas pelas vidas agitadas e intensas, revela-se igualmente implacável com as coisas de aparência discreta e imutável. Como o nosso peixinho vermelho que amanheceu uma destas segundas-feiras no fundo do aquário, com a espinha arqueada rente às pedras e a guelra a mostrar, numa intermitência de abre-e-fecha, a sua vermelhidão repisada. Também o nosso peixe aderiu ao pacto da nossa casa e avariou. Compreendi-o. Afinal, era das nossas coisas "novas", a mais antiga: ainda nós não tínhamos mobília de quarto e já o peixinho borbulhava no parapeito da cozinha, a pedir comida.
No intervalo do trabalho telefonei, para saber dele. Morreu. Quis saber como foi o enterro. A resposta veio expedita e sem dó: num papel-alumínio e foi para o lixo. Por momentos, imaginei o seu corpo tal como o tinha visto de manhã, translúcido e gasto, mas agora sem vida, no fundo de um caixote.
Fiz-lhe o luto devido mas devo confessar: fui uma verdadeira viúva alegre. Mal arrefeceu o lugar e já novos peixinhos se ondeiam no lugar do antigo. Que podia eu fazer? Um aquário vazio é como uma casa desabitada, não se pode deixar ganhar pó.

sexta-feira, setembro 01, 2006

Sonhar com Xangai (Wang Xiaoshuai)


A metáfora: uma família constituída por duas gerações apresenta-se como metáfora da China e da transformação que nela ocorreu ao longo de duas décadas que vão dos anos 60 à altura em que se passa o filme, nos anos 80. E como são abismais as diferenças entre a China dos anos 60 e a China que desabrocha nos anos 80, também o conflito geracional é apresentado como um drama, colocando num lado o pai desiludido com o que o país lhe prometeu, autoritário e oprimido, perdido na sua identidade geográfico-afectiva e do outro lado, a filha ainda prisioneira da rigidez do pai mas com uma lucidez e maturidade que denunciam já uma mudança.
A tragédia: é o sentimento de exílio da geração dos pais, deslocada das cidades para as províncias nos anos 60 para ali fazerem a "terceira revolução industrial", que irá despoletar a tragédia. A despromoção a "gente do campo" sentida pela geração mais velha, indo trabalhar para as fábricas no interior do país, nunca é vista por eles como definitiva. Quando, totalmente desorientados e exaustos, tentam regressar às suas cidades natais, já se passaram 20 anos e os filhos não querem voltar. Para a geração mais jovem destas famílias, Xangai, a grande cidade, é apenas um sonho, uma interrogação. A sua vida está nas pequenas terras onde cresceram, onde vivem os seus primeiros amores ainda juvenis, sentidos de forma exponencial e definitiva. Quando arrancados à força, estes amores contrariados tornam-se obsessões, tresloucam e o resultado são actos extremados como a tristeza absoluta e silenciada, a violação ou a morte.
Um filme que é uma metáfora sobre a China mas cuja tragédia (do exílio, da imigração, do amor contrariado, da proibição e censura, do conflito geracional, da mudança histórica...) é universal.