terça-feira, setembro 05, 2006

os peixes também envelhecem e morrem


Compra-se uma casa e começa-se a enchê-la com tralhas, devagarinho. Tão devagarinho que passados seis anos ainda andamos a comprar coisas que fazem falta, num afã que nos distrai para o facto de, entretanto, algumas dessas coisas "mesmo novas" começarem a avariar.
Foi assim na nossa casa: primeiro avariou a televisão, a seguir o computador, depois o forno, finalmente o peixinho no aquário... e espero que fiquemos por aqui.
Foi preciso que tudo avariasse ao mesmo tempo para eu perceber que o tempo não passa apenas pelas vidas agitadas e intensas, revela-se igualmente implacável com as coisas de aparência discreta e imutável. Como o nosso peixinho vermelho que amanheceu uma destas segundas-feiras no fundo do aquário, com a espinha arqueada rente às pedras e a guelra a mostrar, numa intermitência de abre-e-fecha, a sua vermelhidão repisada. Também o nosso peixe aderiu ao pacto da nossa casa e avariou. Compreendi-o. Afinal, era das nossas coisas "novas", a mais antiga: ainda nós não tínhamos mobília de quarto e já o peixinho borbulhava no parapeito da cozinha, a pedir comida.
No intervalo do trabalho telefonei, para saber dele. Morreu. Quis saber como foi o enterro. A resposta veio expedita e sem dó: num papel-alumínio e foi para o lixo. Por momentos, imaginei o seu corpo tal como o tinha visto de manhã, translúcido e gasto, mas agora sem vida, no fundo de um caixote.
Fiz-lhe o luto devido mas devo confessar: fui uma verdadeira viúva alegre. Mal arrefeceu o lugar e já novos peixinhos se ondeiam no lugar do antigo. Que podia eu fazer? Um aquário vazio é como uma casa desabitada, não se pode deixar ganhar pó.