quarta-feira, novembro 01, 2006

Rumo ao Norte: Figueiró dos Vinhos

Igreja Matriz de Figueiró dos Vinhos
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Aos domingos de manhã, a mãe entrava de rompante no nosso quarto de meninas, puxava com energia as persianas até ao cimo, lá fora, chuva e frio, os cobertores pelas orelhas, resmungávamos "só mais um bocadinho" mas sempre em vão pois aquelas mãos frias de tanque e lixívia eram implacáveis, destapavam-nos, obrigavam-nos a entrar na banheira, onde nos esfregavam à vez, a mim e à minha irmã Carla, cada uma tiritando de frio para seu lado, o sabonete a arder-nos nos olhos. Eram ainda essas mãos que nos vestiam as camisolas de lã grossa (algumas picavam no pescoço), nos desenriçavam os nós nas pontas dos cabelos, as mesmas mãos que tínhamos de agarrar, em passo de corrida, para não ficarmos para trás, a caminho da missa, quantas vezes com os sapatos domingueiros a roerem-nos os pés. O que as nossas pequenas cabeças nunca perceberam foi para que raio era toda aquela lufa-lufa se depois o tempo parava durante uma interminável hora. Valia-nos a imaginação, pois enquanto os nossos corpos oscilavam entre o ajoelhado, o em pé e o sentado, esta ora corria atrás da pequena ovelha da imagem do São João Baptista menino (padroeiro de Figueiró) ora mergulhava na água translúcida que o pintor Malhoa tão bem soube captar no retábulo da Capela Mor, representando o baptismo de Cristo, provavelmente o quadro que mais longamente observei até hoje.